quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Médica Veterinária

—Tá decidido! Vou fazer Veterinária!
Foi assim que num final de tarde, com um acinte súbito, sob os olhares atentos da mãe que lhe penteava a longa cabeleira já não tão embolada, que a menina de uns 17 anos terminou a conversa ao telefone. Falava com a melhor amiga sobre o vestibular quando tivera a grande ideia de prestar Medicina Veterinária. A mãe, não sem razão, se viu dividida entre sentimentos de felicidade e espanto, afinal na família quase ninguém havia sequer terminado o Ensino Médio. Dos que cursaram a universidade havia só um tio, dado às coisas da lei, que por haver concluído com louvor o primeiro período do curso de Direito se julgava perito no Código Civil, seu livro de cabeceira há anos.
Não tinha a intenção de ser o exemplo de ninguém; decerto isso nem lhe passou pela cabeça uma vez que em casa não costumavam lhe dar muito crédito.
Os dias se seguiram preguiçosamente. Nas aulas da escola sempre o mesmo ritual: sentava-se ao pé da professora, abria livros e cadernos e, de uma maneira que só ela sabia fazer, ajeitava-se confortavelmente sobre os dois braços e nesta posição permanecia por quase toda a aula. Tudo exatamente igual: a escola, as aulas, a mesa bem pertinho da professora, os livros e a ideia fixa de ser veterinária.
Na manhã da prova do vestibular, a menina acordou cedo. Mais cedo do que costumeiramente, é verdade, mas havia um brilho em seus olhos, o que parecia uma coisa boa.
Chegou rápido ao local. Acomodou-se na sala e achou graça ao perceber outros rostinhos jovens como o seu, repletos de sonhos e boas intenções, sedentos por começar a construir um futuro de paz e felicidade tão logo ultrapassassem o teste que dali uns minutinhos estaria sobre a mesa de cada um. Uma prova. Uma única prova a separava do sonho de ser veterinária. Parecia tão fácil...
O fiscal distribuiu as provas. Como na sala de aula, a menina separou lápis e canetas, passou os olhos naqueles papéis ─que aos poucos começavam a não fazer o menor sentido─ ajeitou-se confortavelmente sobre os dois braços entrecruzados em cima da mesa e, como que cumprindo um ritual de todas as manhãs, deitou a cabeça adornada pela longa cabeleira e assim permaneceu. Ao soar a campainha que apontava a entrega das provas ao fiscal, a menina levantou-se, limpou o rosto, juntou seus pertences e foi pra casa. Seguia sorridente e ainda acalentava o sonho de ser médica veterinária...

Um comentário:

Soberano Kanyanga disse...

Sabes Amiga,
tenho pensado sériamente em ter alguém na família formado em Medicina veterinária. Pena é que já não posso ser eu.
Quem sabe um filho me satisfaça o sonho...
Beijo e felicidades para ti.