quarta-feira, 30 de julho de 2014

Uma sobre o frio e um cachorro

Das coisas inusitadas do dia a dia,
Hoje, ainda nem tinha Sol,
vi um cachorro,
desses que encantam,
sem pedigree, sem coleira, rabinho abanando,
todo encolhido por conta do frio
E que frio, hein, cidade?

Das coisas que se vê no dia a dia,
Esse cachorro era inusitado
porque se abrigava do frio
em pleno vagão lotado
do metrô de São Paulo.

Quem sabe chegasse na Barra Funda,
mas às 7h35min foi descoberto
porque latiu para uma senhora que lhe oferecera biscoitos.


quarta-feira, 23 de julho de 2014

Do outeiro

Por sete anos subira a escadaria da Igreja da Penha de joelhos. Calos purulentos como estandarte de um corpo suplicante, marcado pela dor de ser seca. Não podia gerar e por isso fizera a promessa que durante anos vinha pagando. Penando. Subindo e descendo vazia. Conheceu um médico. O décimo. Prometeu-lhe um filho no ventre nos próximos seis meses ou poderia cometer uma loucura em nome dele. Tripudiar-lhe a reputação. Seis meses e um filho. Que tivesse fé. O cheque descontaria em 30 dias: trezentos e trinta reais. Cessou a romaria e passou a costurar. Horas, dias, novelo em mãos fiando o sonho de enfim acalentar um rebento seu. Tempo findo, e as primeiras horas da manhã limítrofe. Levantou-se, ventre em dores; era hora de partir. Parir? À porta, mala pronta, casaquetos e pagãos. Dois: um vermelho, outro azul. A imagem da santa a tiracolo e a agulha de tricô. No caminho, ao ouvido, pululavam palavras de alguém, um mantra pessoal: “A fé remove montanhas, minha fia. E não costuma faiá”. Sabia. Uma rápida passagem no Outeiro da Glória era a única exigência que fizera antes do destino final. Hora exata, lá o médico. Sono nos olhos, branco impecável, impaciente. Aproximou-se dela como se a fosse examinar, mas temeu. Ajoelharam-se em reverência, mas ela de um salto pôs-se em pés. Benzeu-se e, de um só golpe, em meio a palavras desconexas, atingiu-o na cabeça. Certeira. A imagem da santa como tacão. O corpo, sepultou-o empurrando montanha abaixo. Resoluta. Depositou a pequena mala do desejado ao pé do altar. Foi neste mesmo dia que converteu-se com devoção à falta de fé.