sábado, 15 de agosto de 2009

Dois mais um que não formaram três...

Aquele dia começara diferente.
Soltos os cabelos, algumas unhas quebradas, olheiras que se viam há quilômetros... Ela seguia firme, com passos reticentes em direção ao banheiro, primeira parada de sua jornada pós-despertar. Dentes escovados, cabelos alinhados com dificuldade, cremes diurnos, loções e pílulas... cada qual saltava ordenadamente de seus respectivos frascos e compartimentos e ajudavam a compor aquela mulher diante do espelho do banheiro. Ela instava, não se reconhecia ali...
Há algumas horas tinha a certeza de ser a mais feliz das mulheres. E tinha sorrido tanto aquela noite... Sorrisos doces e exclusivos, afinal, a felicidade lhe tinha sido tangível por meses a fio nos últimos anos; acreditava realmente que era possível ser feliz!
Debaixo da água fria e impiedosa do chuveiro ela se despedia das lembranças felizes de outrora. Esvaíam-se ralo abaixo os resquícios daquela que um dia acreditou ser feliz... A mais feliz de todas!
No sofá, envolto em um sono pesado estava o sobrinho de seu marido, um adolescente de pouco mais de dezessete anos. Do outro lado da cidade, há poucas horas de casa, o marido, que em algumas horas regressaria ao lar depois de mais uma de suas conferências.
Era o seu mundo: o Amor. Havia desabado há algumas horas, antes do comprimido de Prozac e da Vodca pra acompanhar e forçar um sono de fuga. Fora inadvertidamente desalojada do abrigo que construíra com esmero para morar sob a égide do Amor... não teve chance de defesa, fora um golpe súbito, impiedoso e certeiro. Ela rendeu-se na hora. Não tinha como reagir, nem sabia como fazê-lo...
Precisava trabalhar, ainda que não soubesse como faria para chegar no escritório sem despertar a curiosidade e as perguntas indiscretas dos colegas.
Vestiu-se de preto, dos pés à cabeça. Sentia que a realidade aos poucos se acercava dela, em breve tudo voltaria ao normal...
Saiu e foi trabalhar.
Trabalhou o dia todo. Mal se lembrava do que ocorrera na noite anterior, parecia a mesma mulher de sempre, cheia de felicidade...
Voltou pra casa no fim do dia. A casa era a mesma, tudo estava no mesmo lugar. Ela dirigiu-se ao banheiro, despiu-se daquele luto, limpou o rosto, banhou-se em águas mornas, quase quentes, e retornou ao quarto...
Ali, tentando conter o flashback que insistia em rodar na sua mente, finalmente desatou um choro contido por 24 horas a fio. Chorou tudo o que podia, com toda a força que pensava ter.
Em meio a tantas lágrimas o marido a surpreendeu. Ostentando um buquê de rosas vermelhas, queria saber o motivo da aparente tristeza daquela a quem dedicara, durante os dez anos de casamento, todo o Amor que já pudera oferecer a alguém na vida... Ele a amava mais que tudo na vida e ela sabia disso!
Ela desconversou. Não queria dividir com seu homem o que sentia...não depois de tantos anos...
Talvez tivesse vergonha, talvez lhe faltasse coragem... Não queria dizer e pronto!
Na verdade não sabia como dizer àquele homem, a quem tinha dedicado a última década de sua vida com tanto afinco, que, numa noite, com luar de prata e céu pontilhado de estrelas, havia se apaixonado pela primeira vez! Era um menino imberbe, com ar juvenil e voz de quem faz promessas que nem sabe se vai cumprir... não sabia nem mesmo como dizer que consumara esse Amor num arroubo de paixão e dele não conseguia mais se apartar porque lhe fazia bem demais, bem demais...
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segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Uma tarde de verão no inverno paulistano...

O sol se pôs lentamente;
Parecia se dissipar nas nuvens negras da poluição do lugar sem querer ser notado,
Parecia não querer incomodar...

As músicas na rádio lembravam uma tarde de verão no litoral:
Quentes, alegres, brasileiramente populares
O cheiro de chão quente, asfalto em combustão, lembrava dias de extremo calor...
Mas era inverno. E inverno paulistano.

O sol se pôs lentamente.
(Ou quem sabe em ritmo normal, e eu não o percebi? Talvez...)
O certo é que visitara a província dos homens que trabalham como se fora um convidado ilustre
E conferiu àquela tarde um tom de verão carioca.

O sono coletivo da casa,
O balançar de ondas que distam mais de cinco centenas de quilômetros,
O cheiro de coisas prestes a acontecer,
A sensação de que tudo vai dar certo...
Traços típicos de uma tarde de verão no litoral...

Mas era inverno. E inverno paulistano.

Ao cair do dia,
Noticias do radar da CBN: quilométricos congestionamentos, metrôs lotados, e muita gente de volta aos lares...
Uma garoa fininha a escorrer pela mesma janela que outrora abrigara os raios do sol,
Umidade relativa do ar baixíssima, e a tosse seca, problemas respiratórios, e a tristeza, e o frio... e que frio...

A tarde se foi. Era mesmo noite de inverno. E inverno paulistano.