quarta-feira, 23 de julho de 2014

Do outeiro

Por sete anos subira a escadaria da Igreja da Penha de joelhos. Calos purulentos como estandarte de um corpo suplicante, marcado pela dor de ser seca. Não podia gerar e por isso fizera a promessa que durante anos vinha pagando. Penando. Subindo e descendo vazia. Conheceu um médico. O décimo. Prometeu-lhe um filho no ventre nos próximos seis meses ou poderia cometer uma loucura em nome dele. Tripudiar-lhe a reputação. Seis meses e um filho. Que tivesse fé. O cheque descontaria em 30 dias: trezentos e trinta reais. Cessou a romaria e passou a costurar. Horas, dias, novelo em mãos fiando o sonho de enfim acalentar um rebento seu. Tempo findo, e as primeiras horas da manhã limítrofe. Levantou-se, ventre em dores; era hora de partir. Parir? À porta, mala pronta, casaquetos e pagãos. Dois: um vermelho, outro azul. A imagem da santa a tiracolo e a agulha de tricô. No caminho, ao ouvido, pululavam palavras de alguém, um mantra pessoal: “A fé remove montanhas, minha fia. E não costuma faiá”. Sabia. Uma rápida passagem no Outeiro da Glória era a única exigência que fizera antes do destino final. Hora exata, lá o médico. Sono nos olhos, branco impecável, impaciente. Aproximou-se dela como se a fosse examinar, mas temeu. Ajoelharam-se em reverência, mas ela de um salto pôs-se em pés. Benzeu-se e, de um só golpe, em meio a palavras desconexas, atingiu-o na cabeça. Certeira. A imagem da santa como tacão. O corpo, sepultou-o empurrando montanha abaixo. Resoluta. Depositou a pequena mala do desejado ao pé do altar. Foi neste mesmo dia que converteu-se com devoção à falta de fé.

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